Folha de Manica

Nampula: consumidores agastados com viciação de balanças nos mercados

Nampula (IKWELI) – Os consumidores da capital do norte, Nampula, a mais populosa do país, mostram-se cada vez mais agastados com a frequente viciação de balanças de pesagem de alimentos nos principais mercados da urbe.


Entende-se por viciação de balança de alimentos, a prática ilegal que consiste em manipular as balanças para obter um peso menor do que o real, estando a violar o direito do consumidor. É uma situação que ocorre com muita frequência em zonas de venda de peixe e carne, incluindo outros produtos alimentares concretamente, batata, feijão, cebola, alho e muito mais. 


Nos cerca de 43 mercados formais, a moda da viciação de balanças tomou conta, prejudicando o consumidor final, que muitas vezes não consegue suprir as necessidades básicas das suas famílias. 


Só em 2024, a nível da província de Nampula, foram registados perto de 200 casos de balanças em estado de viciação, sendo as autoridades competentes apreenderam apenas 20 destes instrumentos.


O Ikweli visitou três dos principais mercados da cidade de Nampula, nomeadamente, o  grossista do Waresta, Belenenses, também conhecido como do Peixe e o Central, apontados como os que abastecem maior número de produtos comestíveis, entre outros. Nos mercados em análise, foi possível verificar que a viciação de balanças é gritante e os vendedores usam essa pratica, alegadamente, para garantir maior lucro. 


No mercado grossista do Waresta, considerado o principal centro grossista de comercialização do norte, foram registados só em 2024, 84 casos de viciação de balanças, no Belenenses, vulgarmente conhecido por mercado do Peixe, 63 casos, o  Central sem casos. No distrito de Nacala, foi apontado o mercado grossista do Juma, com 40 casos.


Uma das consumidoras que encontra-se fatigada com o que chama de roubo, é Márcia Felizardo, mãe de 5 filhos, a qual sente falta dos tempos em que com 5.000,00Mt (cinco mil meticais) conseguia garantir a alimentação da família, porque hoje, nem em sonhos lhe é possível realizar tal façanha. “Essa situação de estarmos a pagar um preço fora do normal, em produtos de primeira necessidade, por causa das balanças que são viciadas é preocupante. Mesmo com nosso conhecimento acabamos por comprar, porque queremos sustentar os nossos filhos e eles é que têm o produto, embora nos afecte, Nós é que vamos aos mercados para fazer as compras para as nossas casas, mas essa situação piorou quando começaram as manifestações do ano passado, os comerciantes estragaram as balanças, depois quando você reclama eles acabam te perdendo respeito, só pra ver,  por exemplo, 1 kg de batata reno custa o valor de 60,00Mt (sessenta meticais), mas quando você chega em casa para pesar na sua balança, sai 0,5 kg, significa que até nos mercados há corrupção. Esse problema existe há muito tempo e nós já estamos habituados, passamos mal, por exemplo, em 2016, para minha casa conseguia fazer rancho em pequenos produtos de primeira necessidade com 5.000,00Mt e não é o que acontece actualmente, sou obrigada a reduzir e aumentar dinheiro até  7.000,00Mt (sete mil meticais), que até muitas vezes não chega, mas faço os meus arranjos para, pelo menos, termos os principais, como batata-reno, carne e outros que já fazem falta na minha casa”.


Outro consumidor é Alexandre Atumane, que também explicou que não tem sido fácil lidar com casos de corrupção nos mercados, daí que pede ao governo para intervir rapidamente. “Com certeza a situação de falsificar balanças para dar outros pesos, não está a ser nada fácil, então gostaria que o nosso governo nos ajudasse a sair desse problema, para que nos próximos anos consigamos fazer aquilo que agora não conseguimos realizar, digo isso porque tenho a máxima certeza que o nosso governo sabe o que tem estado a acontecer nos mercados, mas também não tem como isso não acontecer, uma vez que até os próprios governantes são os principais corruptos.”


“Por causa desse problema, a pessoa mesmo com dinheiro suficiente nunca chega a comprar tudo o que planifica, pior ainda com esse salário insignificativo que recebemos, acabamos não fazendo nada, compramos só para não morrermos a fome nas nossas casas, mesmo com 10.000,00Mt (dez mil meticais), nem sequer um mês chegamos com essa comida, pior para aquelas famílias que têm muitas pessoas,” lamentou Alexandre. 


Ainda naquele mercado, Clara Ernesto que acabava de comprar 12 kg de batata-reno, no valor de 720,00Mt (setecentos e vinte meticais), em 1 kg custando 60,00Mt cada, disse não estar confiante do preço e a quantidade do produto que comprou.


“Vim fazer rancho de produtos de primeira necessidade para minha casa, assim estou a sair onde estava a comprar batata-reno, mas com a quantidade dessa batata, não vai com base com o valor que paguei, mas já me conformei com isso, porque não será a primeira vez que isso acontece comigo, já fui burlada dessa forma muitas vezes, comprei um produto e me disseram que o produto era de 5 kg, mas quando eu cheguei em casa pus na minha balança pesou abaixo daquilo.”


Enquanto isso, no mercado Central de Nampula, a nossa equipe de reportagem apurou que a narrativa é a mesma, há viciação de balanças à luz do dia, situação que deixa os consumidores daquela unidade comercial inconformados.


“O governo não consegue fazer o seu devido trabalho que é fiscalizar os mercados, só sabem vir cobrar impostos e ir embora, já o que acontece nos mercados não sabem, e eles recebem denúncias com pessoas que ainda não se conformaram que o governo já não se interessa com o povo moçambicano, só querem sentar e comer dinheiro da população,” comentou Orlando Pascoal, comprador no mercado central de Nampula. 


“Essa situação de viciar balanças, não é com todos os produtos, por exemplo, aqui os produtos que são roubados mesmo de verdade os pesos são como batata-reno, tomate, cebola, feijão, pimenta e outros produtos, então não são todos, mas tem nos afectados também, só que se formos a denunciar os comerciantes, onde iremos comprar comida? Por isso acabamos ficando calados,” esclareceu Felício Severino, outro consumidor. 


Ainda na cidade de Nampula, no mercado dos Belenenses, Abdul Faruque, jovem de 25 anos de idade, contou que “vim comprar peixe, 5kg, comprei no valor de 500,00Mt (quinhentos meticais), é sabido sim que muitas vezes as balanças usadas aqui no mercado não tiram um peso real, e compramos os produtos com a consciência no lugar, mas não temos como, uma vez que todo mundo quer comer, já não é culpa dos que procuram comprar o produto, mas sim dos comerciantes que roubam os compradores, pior ainda que vivemos como se não tivéssemos governo nesse país,” vincou.


O que dizem os comerciantes?


Depois de ouvirmos as reclamações dos consumidores nos três principais mercados da cidade de Nampula, face a viciação de balanças nos produtos de primeira necessidade, o Ikweli entrou em contacto com os vendedores para compreender o que estará por detrás desta prática. 


Em resposta às reclamações, os comerciantes justificam-se com a subida de preços nos locais onde fazem o levantamento a grosso dos produtos.  


“Reconhecemos que o que estamos a fazer não é boa coisa, mas também o que nos faz aumentarmos esses preços até aumentar a contagem das nossas balanças, é devido ao gasto que temos durante o levantamento das nossas mercadorias, eles nos aplicam um valor muito alto, alegando que é devido as vias de acesso que não estão em condições e como, também, queremos ganhar alguma coisa para dar de comer os nossos filhos, acabamos aumentando peso nas nossas balanças e aplicamos os valores,” contou Alberto Justino.


Amisse Fernando Augusto, também vendedor de produtos de primeira necessidade no mercado de Belenenses, entende que mesmo com a fiscalização das entidades competentes, não será possível reduzir, se o governo moçambicano não minimizar o alto nível de custo de vida.


“Mesmo se esses do município, esses do INAE [Inspecção Nacional de Actividades Económicas] virem nos arrancar as nossas balanças, porque estamos a operar de forma ilegal, o problema nunca vai parar, uma vez que todo mundo quer comer, até mesmo ai no aparelho de Estado entre eles são corruptos, então uma das formas de acabarmos com isso é o governo, nesse caso o presidente que está no topo abrir espaço para os jovens que estão desempregados e reduzir o custo de vida, até mesmo esses que vem distribuir dizem que tudo é por causa da má condição da estrada donde eles vem.”


“Enquanto no aparelho de Estado a corrupção permanecer, nós também que dependemos de negócio para sobreviver, não vamos deixar, uma vez que maior parte desses jovens que estão aqui a vender é porque não têm emprego, são pessoas que concorreram para uma vaga de emprego, mas não conseguiram,” acrescentou um outro vendedor.


INNOQ reconhece o problema, mas não tem meios circulantes para fiscalizar 


 


O Instituto Nacional de Normalização e Qualidade (INNOQ), em Nampula, responsável pela fiscalização de balanças e outros instrumentos de medição, nos centros de comercialização e em bombas de combustíveis, diz ter tomado conhecimento do assunto através de denúncias, mas não tem feito a fiscalização devido a exiguidade de meios circulantes. 


“Nós temos noção da causa e temos acompanhado tantas vezes que há viciação de balanças nos mercados, praticada por vendedores e nós como os responsáveis pelos instrumentos de medição, refiro-me das balanças de pesagem e das bombas de combustíveis, temos feito algum trabalho de fiscalização rotineira. Só no ano passado, 2024, nós fiscalizamos 84 balanças, no mercado grossista Waresta, 63 no mercado Belenenses e 40 no mercado grossista do Juma, na cidade de Nacala, então de todas balanças conseguimos detectar 15 balanças no Waresta, 6 no Juma, em Nacala, 3 nos Belenenses,” disse o delegado provincial do INNOQ em Nampula, Tomás Artur, em entrevista exclusiva ao Ikweli. 


O delegado acrescentou ainda que a instituição que dirige só não faz mais, porque “temos estado a enfrentar dificuldades de meios para nos o deslocarmos para outros pontos como a cidade de Nacala que também é um dos locais com mais casos de viciação de balanças nos mercados”.


A nível da província, destacam-se Nampula e Nacala como os que mais pecam no que toca a viciação.


“Agora para os locais onde não tem município, mas há casos de viciação de balanças, nós delegamos competências a direcção provincial da Indústria e Comércio, para passar concretamente nos distritos para aferir e fazer a monitoria dos instrumentos de medição. As balanças de pesagem e as bombas de combustível, também certificamos os produtos de primeira necessidade,” referiu Artur.


O delegado do INNOQ equaciona levar à barra da justiça todos os indivíduos encontrados com balanças viciadas.


CMCN diz estar em prontidão para responder a demanda dos consumidores lesados  
Cláudia Marques, vereadora das atividades econômicas no CMC


A vereadora do pelouro de Actividades Económicas no conselho autárquico da cidade de Nampula, Cláudia Marques, manifestou preocupação face a viciação de balanças de pesagem nos mercados e conta que a edilidade apreendeu, só em 2024, 11 balanças em 4 mercados da urbe. 


“O conselho municipal faz todos os anos a fiscalização nos mercados, iniciamos nos grandes mercados e depois vamos nos pequenos, aferimos para ver se as balanças estão a funcionar como deve ser e se o comprador está a comprar o produto numa quantidade legalizada. Quando as balanças não apresentam boas características, nós apreendemos as balanças e multamos o vendedor,” conta.


Marques explica que “nós trabalhamos com os chefes dos mercados, com a polícia municipal, vamos aos mercados e fazemos a sensibilização, mas nem todos acatam, então achamos melhor usar uma outra medida que é a actuação de apreensão das balanças e multa”.


Líderes religiosos em Nampula condenam casos de viciação de balanças 


Alguns religiosos entrevistados pela nossa equipa de reportagem condenam as acções ilegais de viciação de balanças, considerando que constitui um grande pecado perante  Deus.


“De facto, estas notícias que me chegam sobre a viciação de balanças nos mercados, é muito triste, porque é ser desonesto, portanto podemos considerar os comerciantes envolvidos neste tipo de acto como ladrões que roubam pessoas inocentes, uma vez que também estamos num contexto em que o consumidor não é defendido e são afectados devido a fraca capacidade de compra que eles têm e depois encontram um produto que o quilo é menos, portanto é mesmo aumentar o sofrimento dos moçambicanos, porque falsificar a balança que é para dar menos o consumidor é ser injusto e tinha que tocar na sua consciência uma vez que estamos no tempo de quaresma,” comenta o arcebispo de Nampula, dom Inácio Saure.


“A causa principal que faz com que os comerciantes pratiquem esse tipo de acto é ausência de DEUS e falta de fé na vida dessas pessoas, porque se eles se comportassem como filhos de DEUS, teriam a consciência e para eles o pecado é o bem, enquanto eu no ponto de vista legal, está a cometer crimes, por isso tinham que ser processados e responsabilizados,” acrescentou. 


Por sua vez, o delegado provincial do Conselho Islâmico de Moçambique (CISLAMO), em Nampula, Sheik Abdulmagid António, descreve que durante o trabalho de divulgação de mensagens ligadas a obra segundo a lei de DEUS, estes actos são condenáveis. “Nós como religiosos tudo o que nos apelamos nas nossas congregações é que não podemos optar por esta via, porque DEUS proibiu acções de viciar, fraudar e adulterar a própria balança, porque está a pensar que está a acumular riqueza em prejuízo dos outros, mas se formos a ver, não estamos a ganhar o pão de cada dia de forma honesta, e ao ganharmos o nosso pão de forma desonesta estamos a criar um ambiente de forma maligna para o nosso futuro onde a justiça divina que irá prevalecer. Temos que ter fé que Allah irá fazer a justiça, por isso devemos fazer a medida certa, no sentido de ganharmos o sustento de forma honesta.” (Virgínia Emília)


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