Folha de Manica

Barragem de Mpanda Nkuwa: A incerteza à margem do rio Zambeze

Tete (IKWELI) – Ao longo do tronco principal do rio Zambeze, na província de Tete, centro de Moçambique, numa região rica em biodiversidade, o projecto da segunda maior barragem hidroeléctrica do país, a Mpanda Nkuwa que se prevê construir, pode se tornar no epicentro de conflitos entre as comunidades, Governo e investidores.


A falta de informação às comunidades sobre o investimento e dos respectivos planos de reassentamento ou compensações, bem como ameaças quando membros da comunidade se reúnem para discutir sobre possíveis benefícios previstos na lei podem ser uma das causas dos conflitos.

O projecto poderá ocupar uma área com paisagem marcada por agricultura, extracção de ouro, pesca e criação de gado, o que deixa as comunidades em um futuro incerto.


Por conta disso, vários estudos têm vindo a alertar para os riscos sócioambientais do projecto.

O projecto da barragem hidroeléctrica batizada de Mphanda Nkuwa, que vai abranger três distritos, nomeadamente Marara, Chiúta e Cahora Bassa, é uma herança colonial, que voltou a emergir como uma solução para aumentar a exportação de energia para a África do Sul, e gerar divisas a economia moçambicana, está avaliado em 5 biliões de dólares americanos, e foi ganho pelo consórcio liderado pela empresa Francesa EDF, que poderá construir e operar o projecto.


A futura barragem prevê produzir 1500 Mw de energia, sendo 60% para exportação.


O Governo da província de Tete, vê também como alternativa para conter as cheias na parte ajusante do rio Zambeze e promover emprego, enquanto que, para as comunidades e defensores de direitos humanos e da terra, o projecto é sinónimo de um futuro fragmentado.


Durante quatro dias, alguns dos quais debaixo de sol escaldante e outros de chuviscos, percorremos algumas comunidades que serão “engolidas” pelas águas da futura barragem hidroelétrica de Mpanda Nkuwa, nomeadamente Chirodze N’sanangue, Luzinga Mussafa, Chamimba e Chacocoma.


Nesses locais uma frase ressoa entre os residentes: “não queremos estabelecimento do projecto, porque poderá mexer com os nossos meios de subsistência, hábitos e costumes, além de que não temos esperança que o mesmo venha contribuir para a melhoria das nossas condições de vida, vimos as pessoas que foram reassentadas pelo carvão em Moatize e Marara estão a sofrer e nem água têm”.

Enquanto o projecto Mpanda Nkuwa promete desenvolvimento, captamos vozes que relatam a incerteza daquelas que num futuro breve terão que sair para serem reassentadas em local até qui desconhecidos.
Lenine Francisco, residente de Chirodze N‘sanangue


Lenine Francisco tem 25 anos de idade, reside em Chirodze N’sanangue, uma das comunidades que será abrangida pelo projecto, e conta que desde criança ouve falar do Mpanda Nkuwa.


“Quando eu estava a estudar no Songo, voltei para ca nas férias, e ouvi que aquela barragem que estava a se referir esta para ser construída. Eu perguntei qual? e me disseram a barragem de Mpanda Nkuwa está para ser construída. O que está em curso, dizem que a barragem do Songo está a abastecer muitos países. E depois aqui onde estamos a energia sai daqui perto, mas mesmo estando nestas casas que não são melhoradas, aqui não temos energia. Disseram que com essa barragem que está para ser construída vamos ter a vantagem de ter a própria energia”, disse o jovem com poucas esperanças sobre o futuro. “Onde eu estou, nasci aqui e onde querem-me colocar eu não sei onde é. Eles só dizem que vamos sair daqui não nos dizem onde vamos”, questionou.


Para as comunidades, o projecto não é sinónimo de esperança, mas de um futuro fragmentado.
Dodina Matchesso, Residente de Achirodze N‘sanangue bairro 4.


Dodina Matchesso, tem 72 anos de idade, vive da agricultura, ela é a terceira da quinta geração da família.


Em entrevista ao Ikweli, ela disse que um dos maiores medos é o sofrimento que poderá passar depois que o projecto começar, e serem levados para uma zona onde se quer terão água. “Estou a negar o Mpanda Nkuwa porque não queremos ser tirados daqui, sermos postos em um lugar que não queremos. Tudo o que eles prometem estão a mentir”.




Embora as obras do projecto não tenham arrancado, já se vê os sinais. Na machamba de Edma Jaime, jovem de 20 anos de idade, residente na comunidade de Chirodze N’sanangue, bairro 4, está um dos marcos da presença do investimento.

“Nasci neste povoado, nós produzimos aqui na baixa e cavamos ouro e esse projecto quando nos tirar não vamos gostar. Quando nos tirar daqui lá onde vamos, vamos sofrer”.
Edma Jaime, residente de N‘sanangue, bairro 4


Lúcio Manico é um dos que será afectado pelo projecto da barragem, na comunidade de Chamimba, em Cahora bassa, e diz que as condições que a região oferece para a sua sobrevivência e da sua família não terá em outro lugar.

Segundo ele, “este sítio é nosso. Os nossos velhos morreram aqui, ir outro sítio não posso aguentar, tenho vacas, tenho crianças ir lá não vou aguentar, nasci aqui, tem embondeiro, tem ouro, nossa terra tem tudo”.


Os discursos de esperança
Domingos Viola, Governador da província de Tete


O Governador da província de Tete, Domingos Viola, considera o Mpanda Nkuwa um projecto viável, a medida em que vê de longe, uma oportunidade para a empregabilidade da juventude local.

“Nós em Tete, desde o tempo colonial, há cinco pontos que deviam ser construídas barragens para conter as inundações no rio Zambeze, agora, relativamente ao Mpanda Nkuwa, eu na qualidade de Governador da província de Tete, considero um projecto viável, porque primeiro temos o dilema da empregabilidade no nosso país, nós não vamos arranjar emprego sem construir infra-estruturas para garantir emprego a nossa juventude. Segundo aspecto, nós queremos como Tete, ser o polo de energia, e a HCB já está no seu máximo, nós estamos agora a alimentar todo o país a partir de Cahora Bassa, e vem a Mpanda Nkuwa, que vai ter a capacidade de produzir 1500 megawatts”, disse Viola.

Para Domingos, com a materialização da barragem, “os projectos de alimentar Malaweque é um projecto concreto com a ampliação da subestação de Matamba. A Zâmbia recebe energia por via da África do Sul e quer uma linha directa, então, significa que é viável para que não lamentemos. Eu gostaria que tivessem uma oportunidade para assistir os estragos que o Zambeze causa na zona de Doa, Mutarara e Chinde quando está no tempo das inundações então seria uma alternativa nossa como Governo de conter às inundações”.


O passado gera desconfiança
Vila de reassentamento- comunidade de Cassoca, distrito de Marara


Mega projecto, promessas de melhoria de vida, e um rasto de exclusão. A futura barragem batizada de Mpanda Nkuwa é vista pelas comunidades como uma repetição à lógica: energia para exportação , riqueza para poucos e deslocamentos para muitos.


E é esta lógica que leva as comunidades a se unirem para resistir ao projecto, através de redes de apoio que visam discutir a lei de terra e de reassentamento.
Latifo Patreque , activista ambiental


Latifo Patreque é activista ambiental e para os direitos humanos da Associação Justiça Ambiental na região, em meio a intenção de construção da barragem, tem trabalhado nas comunidades, capacitando-as sobre o direito ao reassentamento justo e também facilita a realização de intercâmbios entre as comunidades que serão deslocadas pelo Mpanda Nkuwa e as já reassentadas por investimentos do carvão mineral.

“As pessoas reassentadas pelos projectos do carvão foram prometidas que teriam melhor vida que esta, mas nunca aconteceu, desta forma, estas que serão abrangidas pelo projecto da barragem estão alertas e rejeitam o projecto”.


Deolinda será deslocada pelo projecto na comunidade de Luzinga Mussafa no distrito de Chiuta e disse que “este projecto para mim não é em bem-vindo, mas com o Governo não se pode conversar ou negociar, não tenho como. Não estou satisfeita em ter que deixar aqui, como vê, tenho esta machamba grande, tem ali o rio eu não passo fome”.

Entre os residentes, a frase que ecoa é que com a vinda do projecto serão atirados ao sofrimento a semelhança dos reassentados pelos projectos do carvão mineral .
Augusto Júlio Alfândega, líder adjunto na comunidade de Chamimba


Augusto Júlio Alfândega é um dos líderes na comunidade de Chamimba. Ele é uma das figuras locais que nega a vinda do projecto. Ao Ikweli repisou que “a minha função é de negar o Mpanda Nkuwa aqui nós temos machamba grande, cavamos ouro e temos água. Nós temos experiência nesse assunto de projecto, porque estamos a ver aqueles nossos irmãos que foram reassentados por causa do carvão, tinham sido prometidos boa casa, que não iam pagar energia, teriam boa água, teriam machambas, mas não foram dados nada disso”.


Silenciamento da comunidade





Lenine Francisco disse ao Ikweli que ele e outros membros da comunidade sofreram ameaças e foram acusados de terrorismo pelas autoridades por participarem de uma reunião em Maputo, onde se ia discutir os direitos à terra e reassentamento justo. “Quando nós estávamos no Maputo, ligaram para o nosso líder, mas antes, ligou para o líder de Chamimba e disse quando vocês voltarem vão ser amarrados”.

Faz Bem, outro residente, acrescentou que ao regressaram de Maputo foram notificados como acusados de terrorismo. “A comandante disse que sabia que nós fomos a Maputo receber dinheiro, e também a Cabo Delgado receber arma, mas nós informamos que tínhamos ido a Maputo falar sobre reassentamento por causa do projecto que vem”, declarou.

As comunidades que serão afectadas pela barragem de Mpanda Nkuwa têm reportado ameaças conforme confirmou a advogada Anicha João Carlos, que nos últimos anos tem feito assistência jurídica aquela população.

“As ameaças costumam ser directas. Eu já presenciei uma ameaça a um líder de Chirodze-sede quando nós fomos ao comando o acompanhar depois que foi notificado. Quando cheguei identifiquei-me e a comandante, na altura, disse que não queria saber do meu cartão e acusou-me de terrorismo e o líder continuou retido das 9 às 17 horas,” contou a advogada.


As ameaças socioambientais 
Erika Mendes , membro da associação Justiça Ambiental


A organização Justiça Ambiental, que trabalha para reduzir os impactos ambientais, e sociais causados pelo desenvolvimento insustentável de Moçambique, afirma que, muitas vezes, os direitos de reassentamentos têm sido deixados de lado, e com isso, comunidades, perdem suas terras sem compensações justas.

Erika Mendes é membro daquela organização que há 24 anos trabalha na monitoria de direitos humanos e questões ambientais ligadas ao projecto da barragem Mpanda Nkuwa.

Segundo ela, as questões que preocupam são climáticas e sociais, tendo em conta que a província já tem bastantes conflitos de terra.

“A barragem de Mpanda Nkuwa, sendo uma mega barragem, vai produzir gases de efeito estufa que aumentam as mudanças climáticas, além disso, as mudanças climáticas terão um impacto muito grande na produção de energia, portanto, está comprovado em varias barragens ao nível do mundo, que a produção energética é bastante afectada pelas mudanças climáticas. Tem também questões sociais a nível do impacto nas comunidades locais, como a perda dos meios de subsistência, usurpação de terra numa província que já tem bastantes conflitos de terra com a questão das minas de carvão e outros. E esses mega projectos têm invariavelmente deixado as comunidades piores do que estavam antes”.


Erika considera ainda um erro Moçambique investir em barragens hidroelétricas dada a sua exposição às mudanças climáticas.


Uma modelagem climática feita pela associação Justiça Ambiental, constatou que na região do rio Zambeze poderá haver vários impactos ambientais negativos que não estão a ser considerados pelo Governo e investidores, o que quer dizer, segundo ela, a energia a ser produzida na barragem poderá ser muito abaixo do que se prevê.


“A relação entre as mudanças climáticas e barragem, é que, está provado por vários estudos, que as mudanças climáticas influenciam muito na produção energética das barragens. E está se a fazer uma projecção de produção energética com o caudal do rio Zambeze e este é um dos rios em África que vai ser mais afectado pelas mudanças climáticas. Portanto, vamos ter tanto períodos de seca assim como de cheias mais Acentuados”.

O projecto Mpanda Nkuwa ressurge numa altura em que a memória colectiva daquelas comunidades é marcada por investimentos que resultaram em reassentamentos problemáticos. O de exploração de carvão mineral é um deles.


A província de Tete já passou por experiências amargas em relação aos reassentamentos, reconhece o Governador, Domingos Viola, o qual garante que o Governo tem estado a recomendar melhores práticas para o projecto Mpanda Nkuwa.


Aquele Governador disse que “a nossa recomendação tem sido, respeitar as comunidades, e os seus direitos devem ser salvaguardados. Se é um grande projecto, há leis próprias que devem ser cumpridas, são a lei do reassentamento, em que a população deve ser recompensada tudo o que tinha”.


Viola lembra ainda que “nós já tivemos experiências amargas nesse processo de reassentamento aqui em Tete. Nós já fizemos um reassentamento na altura para exploração do carvão em Moatize em que a lei que tínhamos não era uma lei que deu benefícios as comunidades’’. (Adina Sualehe)


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